O Velho Homem
Assim, nesta próxima série de
versículos, Paulo faz uma aplicação prática referente a essa mudança de caráter
baseada no “velho homem” (v. 9) e no
“novo homem” (v. 10). Este é um
assunto que não é bem entendido. Esses dois termos não se referem à carne e à nova natureza, como normalmente se pensa,
mas são expressões abstratas que indicam o estado corrupto da raça caída de
Adão e a nova ordem moral na raça da nova criação sob Cristo. O velho homem não
se refere a Adão pessoalmente, mas ao que é característico
da raça caída da qual ele é a cabeça. É a corporificação de cada característica
horrenda e pecaminosa que marca aquela raça. Para se enxergar o velho homem adequadamente,
devemos olhar para a raça como um todo, pois é improvável que qualquer pessoa
seja marcada por todos os recursos que caracterizam esse estado corrupto. Por
exemplo, uma pessoa pode ser caracterizada por ser irada e enganadora, mas pode
não ser imoral. Outra pessoa pode não ser conhecida por perder a paciência, nem
por ser enganosa, mas ele é terrivelmente imoral. No entanto, considerando a raça
como um todo, vemos uma personificação de todas
as horrorosas características que compõem o velho homem.
Esse estado corrupto foi
condenado por Deus na cruz (Rm 6:6, 8:3) e é algo que é deixado de lado pelo
crente quando ele é salvo. Ele pode não estar consciente de o ter feito à
época, mas ao tomar a posição Cristã, o crente, por sua profissão de fé,
dissocia-se daquele estado corrupto, pois aquilo não faz parte do que constitui
um Cristão. Portanto, como Cristãos, não estamos mais associados a esse antigo
estado corrupto. Este desvestir-se é afirmado no tempo verbal aoristo[1]
em grego, que se refere a ter feito isso de uma vez por todas. A KJV e as
versões em português equivocadamente apresentam Efésios 4:22 como uma
exortação, fazendo do desvestir-se do velho homem algo que devamos fazer em
nossas vidas diariamente. Mas a passagem deveria dizer: “havendo se desvestido conforme o comportamento anterior, do velho
homem ...” (JND) Isso mostra que o desvestir-se do velho homem é algo que já
foi feito na vida do crente e que as exortações seguintes dirigidas a ele na
passagem são baseadas nesse fato.
Como mencionado, o “homem velho” é frequentemente
confundido com a velha natureza (a carne). Este é um equívoco generalizado
entre os Cristãos. Eles dirão coisas como: “O velho homem em nós deseja coisas
que são pecaminosas”. Ou: “Nosso velho homem quer fazer esta ou aquela coisa
má”. Essas afirmações estão confundindo o velho homem com a carne. As
Escrituras não usam o termo dessa maneira. J. N. Darby observou: “O velho homem
está habitualmente sendo usado para a carne incorretamente” (Food for the Flock, vol. 2, pág. 286).
Uma diferença é que do velho homem nunca é dito estar em nós, enquanto a carne certamente é. F. G. Patterson disse: “Nem
eu acho que as Escrituras nos permitirão dizer que temos o velho homem em nós – enquanto ensina da maneira mais
plena que temos a carne em nós” (A Chosen Vessel, pág. 51). Portanto, não
é correto se referir ao velho homem como algo que vive em nós com apetites,
desejos e emoções, assim como a carne. H. C. B. G. disse: “Eu sei o que
significa um Cristão que perde a paciência e diz que é ‘o velho homem’, mas a
expressão está errada. Se ele dissesse que era ‘a carne’, ele teria sido mais
correto” (Food for the Flock, vol. 2,
pág. 287). Além disso, se o velho homem fosse a carne, então Efésios 4:22-23
(na KJV e nas versões em português) estaria nos dizendo que precisamos nos
desvestir da carne! Isso é algo que nenhum Cristão pode fazer enquanto vive
neste mundo. Isso não vai acontecer até que morramos ou quando o Senhor vier.
Portanto, não há exortações
nas Escrituras para se desvestir do velho homem. Há, no entanto, exortações
para se desvestir das coisas que caracterizam
o velho homem. Assim, Paulo diz: “Mortificai
[Colocai na morte – JND], pois, os vossos membros que estão sobre a
Terra: a fornicação, a imundícia, a paixão [vil], a má concupiscência e a
avareza, que é idolatria” (v. 5 – TB). Essas mais grosseiras manifestações
da carne eram comuns no mundo pagão, mas não têm lugar na vida Cristã. O fato
de que há uma exortação desse tipo para os crentes mostra que quando uma pessoa
é convertida, sua antiga natureza pecaminosa não é erradicada.
Os Cristãos não são chamados a “mortificar” seus corpos, mas antes a mortificar “as obras” da carne que se manifestam
em seus corpos (Rm 8:13). Ao usar a palavra “mortificar [colocar na
morte – JND]”, vemos a
necessidade de lidar com esses pecados de forma sem misericórdia. F. B. Hole
disse: “Colocar a morte é uma
expressão forte e compulsória. Nossa tendência é negociar com essas coisas, e
às vezes até brincar com elas e fazer provisões para elas. Nossa segurança, no
entanto, está numa ação de forma implacável. Com espada à mão, por assim dizer,
devemos nos encontrar com elas sem qualquer ideia de mostrar-lhe misericórdia. Nós
deveríamos encontrá-las da mesma maneira de Samuel ao despedaçar Agague perante
o Senhor” (Paul’s Epistles, vol. 2, pág.
106). Usando novamente o ensinamento típico na jornada de Israel à Canaã, o que
é descrito aqui em Colossenses 3, corresponde a Gilgal – o lugar onde Israel
cortou sua carne pela circuncisão (Js 5). Isso tipifica o exercício do crente
de cortar as manifestações da carne por meio do julgamento próprio.
Note também que Paulo não
estava falando de mortificar os “membros”
de nossos corpos literalmente – o desmembramento de nossas mãos, pés, etc. Ele
estava usando a palavra de maneira figurativa para descrever o exercício de
julgar a carne e mantê-la no lugar de morte. para que essas coisas corruptas
não se manifestassem em nossos membros. Mortificar nossos membros não é feito
com resoluções, jejuns, privando o corpo de confortos naturais, etc. Nunca nos
é dito para nos crucificarmos ou lutarmos contra a carne para mantê-la na linha
– essas coisas levam à derrota. Nós devemos colocar estas coisas na morte assim
que sejam concebidas (Tg 1:15).
Entre esses horríveis
distúrbios morais, Paulo menciona “avareza,
que é idolatria”. A avareza é permitir que o desejo por algo tenha um indevido
lugar em nossos corações que desloca Deus, e qualquer coisa que desloque Deus
em nossas afeições é um ídolo.
Vs. 6-7 – Os homens acham que
podem cometer esses pecados e escapar do julgamento de Deus, mas Paulo diz que “vem a ira de Deus sobre os filhos da
desobediência”, que sentem prazer nesses pecados. Este julgamento é
governamental (enquanto vivem neste mundo) e eterno (quando saem deste mundo).
Vs. 8-9 – Mas há outras
coisas, além daquelas mencionadas no versículo 5, que são do velho homem e que
também devemos nos desvestir delas. Paulo diz: “Mas agora despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia,
da maledicência [blasfêmia - JND], das palavras torpes da vossa boca. Não
mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus
feitos”. “Despojar” está no
tempo verbal aoristo do grego. Nós uma vez vivemos envolvidos nessas coisas
como uma roupa vestida sobre nós. Quando os homens olhavam para nós, era isso
que eles viam – uma “roupa manchada da
carne” (Jd 23). Ao ser salvo, isso não desse ser visto nunca mais. Assim, a
roupa antiga deve ser desvestida, e essa é a essência da exortação de Paulo
aqui. Vamos repetir, o exercício não é desvestir o velho homem – isso já foi
feito – mas desvestir o caráter
pecaminoso do velho homem.
[1] N. do T.: A palavra grega Aoristo significa sem limite. Numa tradução mais livre, significa indefinido ou indeterminado. Indica uma ação que ocorreu pontualmente em algum
momento do passado, sem relacioná-la com o presente. A ação ocorre uma única
vez, de uma vez por todas.
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