quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Velho Homem


O Velho Homem

Assim, nesta próxima série de versículos, Paulo faz uma aplicação prática referente a essa mudança de caráter baseada no “velho homem” (v. 9) e no “novo homem” (v. 10). Este é um assunto que não é bem entendido. Esses dois termos não se referem à carne e à nova natureza, como normalmente se pensa, mas são expressões abstratas que indicam o estado corrupto da raça caída de Adão e a nova ordem moral na raça da nova criação sob Cristo. O velho homem não se refere a Adão pessoalmente, mas ao que é característico da raça caída da qual ele é a cabeça. É a corporificação de cada característica horrenda e pecaminosa que marca aquela raça. Para se enxergar o velho homem adequadamente, devemos olhar para a raça como um todo, pois é improvável que qualquer pessoa seja marcada por todos os recursos que caracterizam esse estado corrupto. Por exemplo, uma pessoa pode ser caracterizada por ser irada e enganadora, mas pode não ser imoral. Outra pessoa pode não ser conhecida por perder a paciência, nem por ser enganosa, mas ele é terrivelmente imoral. No entanto, considerando a raça como um todo, vemos uma personificação de todas as horrorosas características que compõem o velho homem.
Esse estado corrupto foi condenado por Deus na cruz (Rm 6:6, 8:3) e é algo que é deixado de lado pelo crente quando ele é salvo. Ele pode não estar consciente de o ter feito à época, mas ao tomar a posição Cristã, o crente, por sua profissão de fé, dissocia-se daquele estado corrupto, pois aquilo não faz parte do que constitui um Cristão. Portanto, como Cristãos, não estamos mais associados a esse antigo estado corrupto. Este desvestir-se é afirmado no tempo verbal aoristo[1] em grego, que se refere a ter feito isso de uma vez por todas. A KJV e as versões em português equivocadamente apresentam Efésios 4:22 como uma exortação, fazendo do desvestir-se do velho homem algo que devamos fazer em nossas vidas diariamente. Mas a passagem deveria dizer: “havendo se desvestido conforme o comportamento anterior, do velho homem ...” (JND) Isso mostra que o desvestir-se do velho homem é algo que já foi feito na vida do crente e que as exortações seguintes dirigidas a ele na passagem são baseadas nesse fato.
Como mencionado, o “homem velho” é frequentemente confundido com a velha natureza (a carne). Este é um equívoco generalizado entre os Cristãos. Eles dirão coisas como: “O velho homem em nós deseja coisas que são pecaminosas”. Ou: “Nosso velho homem quer fazer esta ou aquela coisa má”. Essas afirmações estão confundindo o velho homem com a carne. As Escrituras não usam o termo dessa maneira. J. N. Darby observou: “O velho homem está habitualmente sendo usado para a carne incorretamente” (Food for the Flock, vol. 2, pág. 286). Uma diferença é que do velho homem nunca é dito estar em nós, enquanto a carne certamente é. F. G. Patterson disse: “Nem eu acho que as Escrituras nos permitirão dizer que temos o velho homem em nós – enquanto ensina da maneira mais plena que temos a carne em nós” (A Chosen Vessel, pág. 51). Portanto, não é correto se referir ao velho homem como algo que vive em nós com apetites, desejos e emoções, assim como a carne. H. C. B. G. disse: “Eu sei o que significa um Cristão que perde a paciência e diz que é ‘o velho homem’, mas a expressão está errada. Se ele dissesse que era ‘a carne’, ele teria sido mais correto” (Food for the Flock, vol. 2, pág. 287). Além disso, se o velho homem fosse a carne, então Efésios 4:22-23 (na KJV e nas versões em português) estaria nos dizendo que precisamos nos desvestir da carne! Isso é algo que nenhum Cristão pode fazer enquanto vive neste mundo. Isso não vai acontecer até que morramos ou quando o Senhor vier.
Portanto, não há exortações nas Escrituras para se desvestir do velho homem. Há, no entanto, exortações para se desvestir das coisas que caracterizam o velho homem. Assim, Paulo diz: “Mortificai [Colocai na morte – JND], pois, os vossos membros que estão sobre a Terra: a fornicação, a imundícia, a paixão [vil], a má concupiscência e a avareza, que é idolatria” (v. 5 – TB). Essas mais grosseiras manifestações da carne eram comuns no mundo pagão, mas não têm lugar na vida Cristã. O fato de que há uma exortação desse tipo para os crentes mostra que quando uma pessoa é convertida, sua antiga natureza pecaminosa não é erradicada.
Os Cristãos não são chamados a “mortificar” seus corpos, mas antes a mortificar “as obras” da carne que se manifestam em seus corpos (Rm 8:13). Ao usar a palavra “mortificar [colocar na morte – JND], vemos a necessidade de lidar com esses pecados de forma sem misericórdia. F. B. Hole disse: “Colocar a morte é uma expressão forte e compulsória. Nossa tendência é negociar com essas coisas, e às vezes até brincar com elas e fazer provisões para elas. Nossa segurança, no entanto, está numa ação de forma implacável. Com espada à mão, por assim dizer, devemos nos encontrar com elas sem qualquer ideia de mostrar-lhe misericórdia. Nós deveríamos encontrá-las da mesma maneira de Samuel ao despedaçar Agague perante o Senhor” (Paul’s Epistles, vol. 2, pág. 106). Usando novamente o ensinamento típico na jornada de Israel à Canaã, o que é descrito aqui em Colossenses 3, corresponde a Gilgal – o lugar onde Israel cortou sua carne pela circuncisão (Js 5). Isso tipifica o exercício do crente de cortar as manifestações da carne por meio do julgamento próprio.
Note também que Paulo não estava falando de mortificar os “membros” de nossos corpos literalmente – o desmembramento de nossas mãos, pés, etc. Ele estava usando a palavra de maneira figurativa para descrever o exercício de julgar a carne e mantê-la no lugar de morte. para que essas coisas corruptas não se manifestassem em nossos membros. Mortificar nossos membros não é feito com resoluções, jejuns, privando o corpo de confortos naturais, etc. Nunca nos é dito para nos crucificarmos ou lutarmos contra a carne para mantê-la na linha – essas coisas levam à derrota. Nós devemos colocar estas coisas na morte assim que sejam concebidas (Tg 1:15).
Entre esses horríveis distúrbios morais, Paulo menciona “avareza, que é idolatria”. A avareza é permitir que o desejo por algo tenha um indevido lugar em nossos corações que desloca Deus, e qualquer coisa que desloque Deus em nossas afeições é um ídolo.
Vs. 6-7 – Os homens acham que podem cometer esses pecados e escapar do julgamento de Deus, mas Paulo diz que “vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência”, que sentem prazer nesses pecados. Este julgamento é governamental (enquanto vivem neste mundo) e eterno (quando saem deste mundo).
Vs. 8-9 – Mas há outras coisas, além daquelas mencionadas no versículo 5, que são do velho homem e que também devemos nos desvestir delas. Paulo diz: “Mas agora despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência [blasfêmia - JND], das palavras torpes da vossa boca. Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos”. “Despojar” está no tempo verbal aoristo do grego. Nós uma vez vivemos envolvidos nessas coisas como uma roupa vestida sobre nós. Quando os homens olhavam para nós, era isso que eles viam – uma “roupa manchada da carne” (Jd 23). Ao ser salvo, isso não desse ser visto nunca mais. Assim, a roupa antiga deve ser desvestida, e essa é a essência da exortação de Paulo aqui. Vamos repetir, o exercício não é desvestir o velho homem – isso já foi feito – mas desvestir o caráter pecaminoso do velho homem.


[1] N. do T.: A palavra grega Aoristo significa sem limite. Numa tradução mais livre, significa indefinido ou indeterminado. Indica uma ação que ocorreu pontualmente em algum momento do passado, sem relacioná-la com o presente. A ação ocorre uma única vez, de uma vez por todas.

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